sábado, 24 de janeiro de 2009

Apatia e massacre: nosso século XXI

Dutante muito tempo acreditei que quando o homem detém um maior conhecimento - especialmente nas humanidades - aproximava-se mais das virtudes, da honestidade, da justiça, em um processo natural, pois encontraria ali elementos mais atraentes e benéficos que o estudo lhe propocionaria reconhecer.
No entanto, tenho identificado que isso nada mais era que uma grande ilusão. Não digo que ocorra o contrário - que o conhecimento torne vil o homem -, mas que não existe aquela proporção necessária, e que o conhecimento tem sido muito útil à humanidade na possibilidade dela exibir sua face mais negra.
Imagino que ao ler tais palavras o leitor se lembrará rapidamente do holocausto, dos massacres indígenas ou da escravidão de negros. Esses são, de fato, eventos sombrios, dentre tantos outros, de nossa história, talvez mais conhecidos por tratarem da história européia cujas atrocidades inclusive tendem a ter seu horror atenuado.
Contudo estou falando de eventos recentes que, na realidade, continuam acontecendo. Penso nos massacres israelenses infligidos ao povo palestino e no consentimento internacional, especialmente estadunidense, às ações desproporcionais de Israel que mazelam a Palestina.
Até quando será permitido a Israel matar milhares de civis, a fim de expulsar uma população árabe nativa, construindo um Estado judaico sobre ensangüentado solo?
Espanta-me que ao estudar mais, continue a me surpreender quão vil pode ser a humanidade. Por quanto tempo permitiremos que Israel e os EUA passem por cima dos direitos humanos e repitam tragédias históricas? Nas palavras de Pierre Nora à Magazine Littéraire a afirmação de Marx "da primeira vez tragédia, da segunda farsa": "...a História não cessa de repetir-se, mas antes de ser passada a limpo, ou antes, com uma tinta cada vez mais negra, ela faz uma grande quantidade de borrões, e de cada vez é um pouco mais trágica".¹
Essa questão não é apenas "judaica", tampouco palestina, ela é nossa também. Como podemos, sendo seres humanos dotados de dicernimento e tendo valores morais comuns, compactuar com tal conjuntura? Esperaremos mais mortes?
Diante de tudo isso, entristece-me também a comunidade acadêmica que, como espaço privilegiado de debate, poderia privilegiar mais tais questões políticas tão importantes. Se antes havia com o marxismo certa esperança de dias melhores e mais humanitários, hoje há uma profunda apatia ao sofrimento de nossos iguais em proporcional distanciamento de linhas que tinham tal empatia. Falta, então, à humanidade algum ideal igualitário consistente? Relativiza-se tanto que não se busca mais, talvez, um Bem comum.
Esta é uma das principais razões que me fazem continuar a admirar àqueles que se engajam em movimentos sociais, sofrendo, muitas vezes, do olhar de desdém da grande maioria da nossa sociedade tão despolitizada, pois ao menos estão fazendo algo, mesmo que pequeno, pela mudança.
Assim também o é esse pequeno texto: um manifesto de um anseio por mudanças!

¹Nova História; trad. Ana Maria Bessa. Edições 70, 1991.

Um comentário:

Anônimo disse...

Questões espinhosas seu texto levanta. E as levanta com paixão, o que é coerente já que criticas a apatia que, de antemão digo, via Tocqueville, é próprio do modo de ser democrático (para o autor a democracia não se trata apenas de um regime político no que tange a forma de governar os homens, ela é propriamente um modo de ser social que imprime em cada indivíduo os seus princípios e os faz se mover de acordo com tais).

Fosse aqui comentar cada ponto que seu texto levanta produziria um tratado. Portanto para não me perder, creio que esse seu sentimento de descrédito e desengano com aquilo que o conhecimento foi capaz de produzir ou, do contrário, não foi capaz de impedir, é bem demonstrado no pessimismo dos frankfurtianos, para citar um exemplo, talvez, extremo. Estes, diga-se de passagem, marxistas.
Pensar um projeto coletivo, no horizonte de um liberalismo vencedor e cada vez mais instalado, se torna numa tarefa árdua e, dado esse hiperindividualismo, também muito promovido pelo liberalismo, é trabalho penoso.
A igualdade como princípio não conseguimos rejeitar e somos denunciadores vorazes quando ela é ferida (seu texto é um exemplo disto). No entanto, pensar a igualdade no sentido de justiça social ou sendo mais específico, na distribuição da riqueza, o nó fica mais apertado e difícil de ser desatado.

Agora uma provocação: Será que somos mesmo seres humanos dotados de discernimento e valores comuns por estarmos num espaço privilegiado de debate - a academia - e sermos esclarecidos?

Tá difícil conceber isto ao olhar o panorama de hoje.
Enfim, parabéns pelo texto e, mais ainda, pela inquietação.