quarta-feira, 3 de julho de 2013

A chuva

As águas sugerem um caminho leve para as coisas desse mundo.
A correnteza carrega folhas, gravetos e até lembranças vêm e seguem nesse fluxo. Encalhados, no entanto, permanecem meus pés, fixos, ignorando essa força.
Cabelos e pele encharcados resistem ao líquido que me tenta embebedar.
Do céu, gostas querem me dissolver, mas meu corpo permite apenas que escorram sobre mim sem tomar parte nessa fluidez. As gotas se contentam em acariciar-me.

De dentro de algum lugar seco e solitário, vejo a chuva que pede entrada: seu som chega aos meus ouvidos, seu frio úmido me envolve, suas lágrimas correm pela janela colorida.
Como nunca sei se acho esse evento triste ou alegre, procuro abrigo. E perante seu chamar fico entre deixá-la ou não entrar.
Quando criança bastava seu anúncio para correr pelas ruas e me banhar de seu carinho.
Hoje, as cobertas me esquentam.

Chuva é riso que molha o solo e permite tudo florescer.
Seres humanos, adultos, não sabem seu lugar na chuva ou no sol, e os deixam para as plantas.
Adultos chovem salgado por algo que morre.
Ela ri e como se fôssemos flores nos rega.
A chuva é criança.

Retribuiria tanto amor se não tivesse tanto medo de tanto molhar.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Rascunho de considerações sobre a manifestação pelo Passe Livre de 20 de Junho em João Pessoa Paraíba.

Gostaria de fazer algumas considerações muito rápidas e até apressadas sobre a manifestação em João Pessoa.
Estou ficando realmente incomodado com algumas reações que vejo no facebook de diversos setores às manifestações. Estou impressionado ao reducionismo de uns e, principalmente, aos críticos de esquerda sem atividade política que se levam pela mera reprodução do que dizem por aí dos eventos que provavelmente sequer acompanharam enquanto passeata.
Tivemos uma reunião com cerca de 80 pessoas onde deliberamos muitas coisas, e dessas deliberações houve uma linha política para a manifestação. Todos poderiam avaliar se ela foi equivocada ou não, a posteriori, mas seria interessante também uma auto avaliação dos indivíduos e dos grupos de esquerda em como agiram lá (ou se não agiram antes). Muitas pessoas optaram por não participar dessa reunião e, após isso, é muito fácil sair criticando e, pior ainda, tentar mudar uma linha política que foi decidida democraticamente.
Os esquerdas de plantão não fizeram, pelo que vi, a devida auto crítica sobre sua atuação no processo. Dentre eles há dois grupos: os que participaram do início e aqueles que a posteriori chegam cheios de razão. Suas críticas são válidas é bom deixar isso claro. É inegável. Porém, chegam com aquela prepotência tão cara ao seu ego e aos paradigmas pelos quais muitos ainda acham que só existe uma maneira de ler a realidade. Em pleno século XXI às vezes parece que muito da produção de conhecimento não chegou a algumas dessas instituições. Felizmente, fica claro que isso não é generalizado e que muitos da esquerda começam a fazer algumas reflexões para sua prática e para algo que pode ser diferente do que estão acostumados.
Há também os esquerdistas de gabinete. Não participam de nenhuma ação política, nem da construção, mas acham que olhando um processo apenas por fora podem dizer o que ele é, sem ao menos entender os processos de construção. Esses são os piores. Críticos de facebook, sequer conseguem sair do facebook como alguns "reaças", "direitistas" e "fascistas" que acusam ao menos tiveram a coragem de fazer.
Por falar em reaças, direitistas e fascistas fico impressionado com a capacidade de muitos de ler tão rapidamente um evento tão novo no país. Parece não haver dúvidas! Todos estão certos e claros com que tipo de processo estamos lidando. Assim emerge uma luta contra os fascistas porque nacionalismo agora virou sinônimo de fascistas. Isso muito embora a própria esquerda seja extremamente marcada por um sentimento de nacionalismo, como se não houvesse grupos na própria esquerda que buscassem alcançar seus objetivos políticos a partir da construção de  identidades sejam nacionais ou latino americanas.
O apartidarismo também vira sinônimo de fascismo. Outro equívoco. Mas, isso é natural, pois muitos desses pensadores pareciam ignorar que a população é plural. Sempre acreditaram que falavam em nome do povo, povo que nunca se preocuparam em consultar. Quando o "povo" vai às ruas em sua diversidade, pluralidade, que inclui também conservadorismo, os espantam e por isso eles resolvem dizer que são manipulados, alienados, ignorantes, dominados pela direita, etc. Mas, na verdade, sua prática política pouco conseguiu superar, ainda, a discussão do que é exatamente um "povo" ou utilizar uma melhor categoria.
Não acho que o nacionalismo dessas manifestações e o apartidarismo sejam referentes necessariamente a uma atitude fascista. mas me espanta a clareza que muitos já concluíram  isso. Acho triste.
Mata-se um movimento que começa. O homem que levanta pra ir às ruas com suas bandeiras se abre pra protestar, pra dialogar, para lutar. Ao mesmo tempo, nessa luta, as contradições de nosso sistema geram uma situação extremamente delicada na qual uma concepção mais comum de partido - que se refere aos partidos que disputam o poder do estado burguês - faz entrar em  choque organizações partidárias que estiveram ao lado de lutas "progressistas" e a população que vai às ruas manifestar. Essa população está ligada, realmente, a uma propagada midiática e desconhece muito da história dos partidos de seu país, o que contribui para terem atitudes extremamente hostis a eles. Esse desconhecimento é uma parte. Por outro lado, os partidos realmente representam uma violência que a "massa" sofre todos os dias: a violência do Estado Burguês, e é contra essa violência que confusos eles também se debatem. Há outra questão, o discurso da esquerda há muito não dialoga com tais setores urbanos que foram às ruas. Isso também os faz rejeitar tais partidos. A reação da esquerda em apontar-lhes como fascistas também não ajudará em nada. Apenas os oporá a pessoas que poderiam ser novos agentes nas mudanças do país. As esquerdas continuam pensando a partir de seus grupos e paradigmas e mal conseguem dialogar com esse movimento. A esquerda também é responsável por essa ausência de diálogo, não cabe apenas chamá-los de alienados por não ouvir sua voz iluminada. Mas, em vez de reconhecer suas limitações, preferem colocá-lo como inimigo.
Não vejo a esquerda discutir que, talvez, o estado brasileiro pudesse sofrer reformas substanciais na forma de organização que ampliasse a democracia, que talvez aparasse algumas questões da democracia representativa. Isto não lhes interessa, não está nos seus moldes de pensar no momento.
Nesse sentido, deixam esse movimento mais disponível para a direita tentar conseguir a direção ou ao menos se utilizar dele para conseguir retroceder avanços progressistas que tivemos nos últimos anos.
Há claro, o grupo dos "democracia a qualquer custo", "salvemos o PT a qualquer custo" que só faltam propor que a gente oprima mesmo as manifestações para não haver um golpe de direita (que acho sim uma possibilidade). Fico pensando quando então instigaremos a população a participar da vida política, pois se ir às ruas protestar levar ao perigo de um golpe, é sempre melhor estar a reboque, permanecer nessa situação estrutural de Estado que temos.

Acho tudo apressado demais. Acho que alguém, PT ou as esquerdas, teriam muito a aprender ouvindo essa massa. Mas isso não lhes interessa ao que parece. Talvez essa massa tenha que se articular e propor algo novo e, realmente, separar dentro de si o que há de conservador e progressista.

São apenas indicações. Espero que o tempo delineie melhor e que atitudes precipitadas não matem algo que pode ser muito positivo.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013


Sinto tanto tua falta
Sinto falta tanto tua
Falta tanto tu
Falta tanta, tão minha
Falta tanto
Falta tu
Faltas minhas
Faltas tuas
Sinto tu
Falta tu

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Vazio, ausência, Nada
Não devia machucar
Mas tua falta fere
Espinho no meu peito

A falta que sobra
Enche o peito de vazio
Falta ar, falta vida
Falta tua presença querida

O vazio de ti
De saudade preenche
E me sinto tão vazio
tão só e tão teu.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Melancolia (2011) Lars Von Trier

Melancolia (2011) Lars Von Trier


Lars Von Trier é, com certeza, um dos maiores cineastas da atualidade. Assistir Melancolia gerou aquela gostosa sensação de rever que força tem o cinema.

Seria necessário revê-lo e pesquisar, principalmente sobre as referências pictóricas que perpassam o filme, para tentar em vão escrever algo que fizesse jus ao filme. No entanto, faz-se urgente expressar de alguma maneira as impressões sobre o filme. Elogios e deslumbres a parte, com certeza ainda é cedo para realmente escrever sobre Melancolia. Por isso, sem tanta ambição, faço essas considerações.

A obra está dividido em duas partes, mas poderíamos dividi-lo em três: uma imagético-poética dos primeiros minutos, nos quais há um lento balé de imagens e de som (a trilha sonora é outro ponto alto do filme). A força pictórica dessa sequencia é uma mistura de alegoria e síntese do enredo que nos será apresentado – lembrou-me de 2001: Uma Odisséia no Espaço do Kubrick. Há uma mensagem clara: aqui não importará muito o suspense do desenvolvimento do enredo, há algo para além disso, o espetáculo do desenvolvimento da própria narrativa e de seus temas “transcendentais”. É, por exemplo, neste momento que nos é apresentada a releitura de Lars Von Trier da pintura Ophelia de John Everett Millai (pintor do século XIX). A imagem possui grande beleza plástica e anuncia os conflitos de Justine (Kirsten Dunst) em sua relação com a vida e com a morte.


Em seguida, temos a divisão própria do filme pelas duas protagonistas: (parte 1) Justine e (parte 2) Claire (Charlotte Gainsbourg). Essas duas irmãs lidam de forma completamente diferente com os conflitos de suas famílias. Na primeira parte, acompanhamos a festa de casamento de Justine se transformar em uma tortura do espetáculo em cujo palco-cárcere Justine tenta se manter equilibrada e atender às diversas expectativas de sua família e dos convidados. Enquanto a festa de desenvolve, cresce em Justine um grande sentimento de medo e desespero, ignorados pelos seus pais – por completo desinteresse – e por sua irmã, que tenta se mover entre a pressão de seu marido e dos cuidados para com Justine. O afeto de Claire pela irmã fica mais evidente na segunda parte, no entanto durante a primeira parte Claire assume quase papel de um dos carrascos de Justine. A festa termina com uma ruptura com os "projetos" sociais anteriores de Justine: consegue ser demitida do trabalho e acabar com o casamento. No entanto, para Justine, aqueles planos e aquela necessidade de sorrir solicitados o tempo todo por aqueles que se preocupam com sua felicidade, mostram-se um peso grande e angustiador, uma prisão. Essa felicidade, na verdade, é exibida como uma exigência exógena a personagem, estando muito mais intimamente ligada aos desejos das outras personagens - o investimento de John na festa, o trabalho de organização do evento de Claire, a pressão do chefe de Justine para que ela consiga o slogan através de um escroto joguete e até mesmo, parece-me, de seu marido, que apesar de complacente, doce, encaixa-se sutilmente neste tipo de atitude perante Justine - quase em referência ao romance entre Grace e Tom em Dogville.


Na segunda parte, conhecemos melhor Claire. Se, na primeira parte, Claire assume o papel de instrumento de concretização do ritual - a festa e o casamento -, agora ela se torna mais matizada, assumindo um duplo papel de cuidadora da irmã e de sua família – seu marido, John (Klefer Sutherland) e seu filho, Leo (Cameron Spurr) – e de uma mulher atemorizada pouco a pouco pela catástrofe iminente. Claire recebe sua irmã com problemas de depressão na sua casa, gerando um ambiente tenso, indesejado pelo seu marido. Nesse momento, as personagens imersam no drama da vinda do planeta Melancolia e a possibilidade de sua colisão com a Terra, anunciando o fim da vida na terra - aparentemente suspeita que John já possuía a mais tempo. Isso altera (ou antes satura) as relações entre as personagens, transformando o ambiente fílmico. O planeta é uma metáfora clara das mudanças que perpassarão todas as personagens e da discussão central do filme, deste sentimento de melancolia de impotência perante o mundo, porém a relação que as personagens travam com o acontecimento "do fim do mundo" ou de suas entradas em estado de melancolia, serão diversas.

As duas irmãs ganham aqui mais intenso contraste, mas agora invertido: Justine se torna mais viva e tranquila, pela possibilidade do fim que lhe consola (ou lhe oferece prazer como sugere certa a cena em que Justine deita nua à luz de Melancolia como se fizesse amor com o planeta, com a melancolia ou com a morte. Esta imagem é uma referência à estética de Paul Delvaux, pintor surrealista, no final do texto há referência a um blog onde essas questões pictóricas são melhor trabalhadas). Claire, porém, fica aterrorizada, tentando a todo custo, primeiro confirmar a vinda do planeta e, quando o fim torna-se evidente - uma solução para a situação.

Através das diferentes atitudes das irmãs perante a colisão de Melancolia, Lars Von Trier constrói uma dicotomia entre posicionamentos perante a existência (a vida e a morte). Justine representa o anseio do fim, a agonia da vida e de seus rituais. Vestida de noiva (ritual de passagem que termina por não se concretizar), impedida em diversas cenas de atravessar uma ponte (em cavalgadas com Claire, seu cavalo sempre empaca ali) assume esse lugar de uma existência agoniante, de uma impossibilidade de seguir em frente e chegar a outra margem, para a vida. Claire por outro lado, possui uma vida estável, um casamento, sem grandes conflitos. Ela não está em transição, mas em situação sólida, com um lugar social assegurado. Embora haja conflitos, ela tenta harmonizar sua vida à volta, buscando oferecer um lugar, a felicidade, a sua irmã Justine. Porém, essa estabilidade é construída sob uma existência baseada voltada para sua casa, atendendo a tradição e aos ritos sociais, alcançando certo nível de alienação - ela sugere várias vezes que não entende dessas coisas, seu marido lhe oferece as respostas, em geral, de que necessita -, Justine tem um trabalho, mas não nos é informado de algum trabalho de Claire que aparentemente vive para o marido, Claire destaca de sua família justamente pelo seu equilíbrio e controle da situação na primeira parte. Não à toa, Claire repete diversas vezes durante o filme "Justine, sometimes I hate you so much" (Justine, às vezes eu te odeio tanto). Em todas às vezes Justine não aceita assumir a atitude de Claire perante os conflitos. Mostra-se, também, essa relação estranha de amor e ódio que assumem as relações humanas.

Com a possibilidade do choque do planeta Melancolia com a Terra há uma mudança nesse cenário: Justine se consola com a morte e o fim da humanidade, torna-se mais tranquila e perde sua dificuldade de andar - como se as amarras sociais lhes fossem retiradas por um catastófrico niilismo. Cabe uma ressalva aqui: na minha opinião a fala de Justine de que a humanidade merece um fim, fala mais de si própria e de sua atitude perante seus sentimentos e o mundo que de um julgamento narrativo acerca da humanidade, ela não suporta aquela existência de valores que lhes são estranhos e o fim lhe representa o cessar de seu sofrimento. Para Claire, o fim iminente representa o fim de seus planos a descontinuidade da sua vida e de seu filho (a perpetuação da espécie, de si), ela entra em desespero, fruto de seu apreço à vida. Se Justine nutre certo "desprezo pela humanidade" e não consegue se mover no mundo, Claire, no entanto, alcançou metas e agora tem um filho, meta "maior" na vida de uma mulher nos valores de nossa sociedade. A relação com a colisão do planeta é completamente diversa, pois as personagens são inteiramente diversas.

Claire mantém uma posição de viver das aparências – sua proposta com a aproximação do planeta é terminar a vida tomando vinho com a irmã, como se nada estivesse acontecendo – enquanto Justine parece não querer ignorar o que sente e o porvir, preferindo encarar os fatos e enfrentá-los tais quais são. Se isso é válido perante a morte, podemos inferir que, durante a primeira parte, esta atitude de Justine era inviável para a própria vida – naqueles moldes burgueses – que necessita do próprio teatro para se manter estável. Seus pais são figuras que desequilibram essas aparências ao darem maior vazão às suas vontades, negando-lhe inclusive o apoio. Se por um lado, negam apoio a filha, representam o choque direto com os valores sociais daquilo que se espera do papel de pai e mãe. Eles são como figuras um tanto quanto libertas que desestabilizam aquele cenário.

O chefe de Justine representa as relações de poder de cunho econômico se apresentando sem máscaras perante Justine, mas sob o fetiche da ascensão social para toda a sociedade - metáfora das relações de trabalho em um mundo capitalista, opressoras mas de aparência elevadora do indivíduo. O marido de Claire – rico e completamente preocupado com as aparências e estabilidade da família – encarna bem o outro extremo desse conflito: ao dar-se conta do fim inevitável, assume seu sorriso – perante os demais – até o fim, matando-se escondido. Embora mostre-se como um agente de manutenção do equilíbrio na situação de tensão – escondendo informações e tranquilizando sua mulher e apoiando seu filho –, ao se aperceber da inescapibilidade da morte, não resiste à violência da realidade, preferindo terminar a própria vida antes do fim total, desassumindo seu papel desempenhado até então. Justine e Claire são personagens que estão entre esses dois extremos, sofrendo com os conflitos de duas posições sobre a realidade e as relações humanas.

Em uma das imagens que sintetizam o enredo no início do filme, temos Justine, Leo e Claire em frente a casa onde se passa toda a narrativa. Sob Justine vemos o planeta Melancolia no céu e, sob Claire, vemos a lua. Essa imagem reforça o caráter de estabilidade de Claire e desestabilidade das irmãs em situações diversas e inversas na narrativa – a lua que sempre estava no céu e era inofensiva, representa a estabilidade, a continuidade, a ordem, o previsível; e Melancolia representa a morte, a mudança, o fim. Entre elas a criança, inocente naquilo tudo, acompanhando sem muita consciência das dimensões culturais atribuídas à morte, à vida e aos conflitos que assumiria mais tarde quando introjetasse os valores da sociedade – o “peso” que se refere Milan Kundera em A Insustentável Leveza do Ser. A Melancolia, enquanto sentimento, no entanto, não é inerente à vinda do planeta. Ela gera sentimentos inversos nas irmãs, angústia em Claire, conforto para Justine.

O final do filme é o mais brusco que já vi. Supera, inclusive, o final de Vivre sa vie de Godard que , com a morte extremamente crua e quase desinteressada de sua protagonista, ainda retém aspectos narrativos – música e a palavra fim, por exemplo. Em Melancolia, a colisão de Melancolia com a Terra enquanto Justine, Clarice e Leo estão a sua espera é seguida por apenas um silêncio e pelos créditos, suscitando o sentimento de vazio, no sentido de ruptura com qualquer continuidade, apenas o fim, dispensando a própria palavra, pela força da imagem final.

Nota para o comentário de Gabriel Dominato (texto referenciado ao final da postagem) no Plano Detalhe da revista eletrônica RUA. Durante o desenvolvimento do filme as tonalidades passam de tons quentes para tons cada vez mais frios, representando o estado emocional das personagens com a proximidade de Melancolia. Pensando nisto, percebi que o número de personagens diminui, também pouco a pouco (na primeira parte temos uma festa, na segunda a família e os empregados, depois a família (Justine, Claire, John e Leo) até sobrarem apenas as duas irmãs e Leo. Há nisso uma imersão cada vez maior no interior das personagens, a medida que o planeta se aproxima, as personagens se voltam cada vez mais para seus dramas, para sua própria melancolia. Filmicamente somos desligados de quaisquer outros personagens para cada vez mais observamos as protagonistas e adentrarmos em seus dramas. Lars Von Trier até brinca com isso, ao final do filme, quando Claire tenta desesperada ir para o povoado - sem obter sucesso - e Justine lhe responde: "parece que o destino quer que fiquemos juntas". O destino, me parece, é a direção do filme e sua obstinação de desenvolver seu argumento a todo custo, para desespero da pobre Claire.

Toda essa agonia e tensão, permeada de imagens belas e de uma direção única, também foi realizada sob excelentes atuações. Especialmente por Kirsten Dunst que consegue passar bem o sofrimento e apego a morte de sua personagem Justine. Mas, especialmente por Charlotte Cainsbourg , que, como Claire, oferece um espetáculo à parte, especialmente na sequencia em que tenta, em vão, arranjar algum meio de salvar seu filho do fim inevitável, entrando em completo desespero. Outro grande momento é roubado por coadjuvantes, os pais de Claire e Justine, nas atuações de Charlotte Rampling (Gaby) e John Hurt (Dexter). A mãe de ambas em seu discurso desestabilizador do casamento de Justine é realizada de forma maestral, fornecendo outro momento alto do filme, assim como suas reaparições.

Em síntese, Melancolia é um filme excelente que não merece apenas ser visto, revisto e discutido, mas que nos oferece esse desejo de pensar e de ir além daquilo que poderia ser meramente exibido na tela do cinema. Ele consegue intervir no expectador, provocando-o, seja pelo deslumbre estético ou seja pelo incômodo levantado nos temas e no seu enredo.

PS: Lendo na internet achei essas duas leituras muito boas do filme, uma é da própria postagem no Plano Detalhe, a outra é um comentário de Pablo Pacheco na publicação que dá uma leitura completamente diversa a desse link e da postagem que fiz aqui (e que me intrigou muito, inclusive). Vale muito a pena conferir: http://www.ufscar.br/rua/site/?p=7993

Ps²: Esse link tem um texto que trata das obras relacionadas ao filme. Muito bom! Vale a pena conferir:
Pretendo acrescentar outros links nos comentários, caso encontre outros textos pertinentes!

domingo, 16 de outubro de 2011

quarta-feira, 12 de outubro de 2011