Texto escrito há muito para postar no blog. Mas com a correria dos estudos, nem me organizei para postar, mesmo com dois meses de atraso - e agora revisado - aí vai:
26/02/11
Ouvindo: A Banda – Chico Buarque
Sábado. Comecei o dia na abertura do Carnaval de João Pessoa, com direito a muito frevo, axé e, principalmente, Alceu Valença, cuja performance me fez esquecer de todo o cansaço de uma sexta-feira fatídica e dançar, cirandar e seguir o trio até às 2h da manhã, na bela Lagoa no centro de nossa cidade. Fico pensando o quão podemos ficar orgulhosos de nosso vasto país: temos artistas fantásticos capazes de nos emocionar, animar, rir, chorar. Brasil: apesar das desigualdades, ainda criadouro de arte e humanidade.
Deixando de lado toda essa ladainha piegas, falarei do real tema do texto: li um texto publicado na revista de “Estudos Históricos e Sociais” Fênix. O texto é do Professor e Pesquisador Alcides Freire Ramos da UFU e seu título é A luta contra a ditadura militar e o papel dos intelectuais de esquerda.
O tema de cultura política me interessou muito. Aborda-se o contexto pós 1964, quando a esquerda entrou em um grande período de auto-avaliação. A partir daí o Alcides Freire analisou como tais organizações se relacionaram com os terríveis rumos políticos tomados pelo nosso país e seu papel nesse processo. Assim, a esquerda identifica suas debilidades com ilusões e comportamentos “pequeno-burgueses” em seus quadros. Essa atitude está presente nos textos do PCB e outras frações dele, inclusive naquelas que adotaram a luta armada como saída política para a situação sufocante da ditadura militar brasileira.
O tema já me interessa um bocado, mas para além da questão de compreender um momento histórico, chamou-me a atenção para alguns indícios que permanecem muito presentes nas práticas e discursos políticos dos partidos de esquerda hoje. Não à toa, a todo momento o texto me remetia às experiências no Movimento Estudantil quando convivi, principalmente, com militantes do PSTU e Consulta Popular. Já achava alguns conceitos estranhos e um tanto inconsistentes – não os digo que são por si só, mas em como eram utilizados, ou seja, na sua função prática, no cotidiano político – e, assim, o tema se tornou mais curioso ainda. Lembrava a todo tempo as palavras de ex-companheiros de Centro Acadêmico ou militância dizendo – muitas vezes taxando – todo tipo de ação, ideias ou comportamentos como “pequenos-burgueses”, como uma maneira de deslegitimar práticas e ideias através da associação deles ao crime do fantasma do desvio de classe, ou melhor, de identidade de classe.
Parece-me, agora, mais tentadora a História Cultural que antes, ainda mais quando pode ser aplicada assim a temas políticos. Dessa forma, fico a todo momento pensando na ideia de Chartier que propõe a análise dos textos de uma sociedade a partir da tríade representação, prática e apropriação. OK, Não é a ideia deste texto esgotar ou analisar tal questão: isso requeria muito mais leituras, é mais um indicativo de reflexões que fiz durante minha atuação política e que agora estas leituras – do Chartier e do texto do Alcides Freire – tornam algumas coisas mais claras e curiosas.
Assim, fico pensando em como o marxismo – e isso certamente vale para outras teorias – é apropriado de forma diversificada por diversos intelectuais e que tais apropriações nem sempre correspondem as leituras que os militantes acreditam conhecer. Podemos falar em marxismos, embora muitos, mesmo na universidade e no movimento, insistam em tratar como algo único, partindo de certas noções de senso comum que o relacionam ao marxismo clássico da Europa oriental que está longe de ser a única abordagem da teoria marxista. Daí desse problema de formação e das práticas políticas há outro abismo: nem sempre esse "conhecimento" - como um fenômeno dado na prática, não da real compreensão de uma ideia tal qual é colocada por um autor - leva a uma prática realmente coerente com idéias marxistas, uma espécie de interrelação entre conhecimento e (des)conhecimento; ou, às vezes, compreensões claras, mas de teorias não mais interessantes levam a práticas desinteressantes.
Assim, surgem os fantasmas da “identidade pequeno-burguesa”, “peleguismo”, etc, que em vez de explicar ou guiar satisfatoriamente as ações políticas, mais maquilam outros preconceitos como racismo, machismo, dentre outros. Esse fenômeno que descrevo está relacionado a um tipo de prática no Movimento estudantil (caracterizado por uma "pequena burguesia" se utilizarmos o marxismo clássico), mas que acredito que se lança mão de tais conceitos, muitas vezes, os distorcendo e, a partir daí, relacionando-os a preconceitos e justificações de querelas políticas menores para legitimar ou deslegitimar práticas políticas opositoras.
No artigo da Fênix fica claro o impacto psicológico e social que tinham tais noções dentro das organizações de esquerda da segunda metade da década de 1960: pressões, confusões e, frente às péssimas condições político-estruturais que elas enfrentavam, muitas vezes culminando em atitudes suicidas. Obviamente não seria justo atribuir tais comportamentos tão somente à tais linhas políticas, mas também identificar que a truculenta repressão do período era o cenário para tais acontecimentos, o motor de tais conjunturas tão radicais.
O que quero chamar a atenção, é a criação desse "demônio", desse intruso, desse ente, que atrapalha e desorganiza as ações políticas. Em outro texto sobre a União Soviética, essa exaltação de uma cientificidade do marxismo que caía em certo cientifismo da época, culminou por ser prejudicial às relações políticas dali, dificultando, inclusive, as vias democrática internas dos bolcheviques.
O texto pode parecer um tanto quanto briguento demais - e confuso sem ser confrontado com o texto do Alcides Freire -, mas, para além das críticas à esquerda, continuo acreditando na maioria de seus valores. Mas, ao mesmo tempo, vejo o quão somos incipientes em matéria de política e a necessidade de avançarmos mais e mais na construção de um novo modelo de sociedade – algo extremamente necessário, permaneço acreditando. Até mesmo porque tais resoluções “radicais” ou “inconsistentes” não são simplesmente crias partidárias, mas de homens e mulheres que discutiram coletivamente e que escolheram dedicar suas vidas à criação de um mundo melhor. Foram tais homens e mulheres que foram trucidados na ditadura militar, não apenas vítimas lastimáveis de um regime violento, mas porque preferiram enfrentar quando muitos acovardar-se-iam. Essa é a história de nossa esquerda: erros, acertos, dores, feridas, risadas e muita coragem.
Procurem o texto!
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