Educação, arte e mudança em O Carteiro e o Poeta a partir de uma leitura de Saviani
O filme O Carteiro e o Poeta, Il Postino no original, foi lançado em 1994, dirigido por Michael Radford e baseado no livro Ardiente Paciencia de Antonio Skármeta. Houve um roteiro anterior do filme ambientado na “Isla Negra” onde na realidade aconteceu o fato em que se baseia o filme e o livro original. Em O Carteiro e o Poeta o filme é ambientado na Itália, caracterizando uma ficção que tem uma base factual.
Mario Ruopollo vivia em uma sossegada e provinciana ilha de pescadores na Itália quando Pablo Neruda chega a sua cidade exilado por motivos políticos. Esse evento alterará irremediavelmente a vida desse homem humilde que, não podendo nem querendo ser pescador como seu pai se tornará o carteiro da vila cujo único remetente será o poeta chileno. No entanto, a convivência com o poeta o transforma radicalmente em aspectos sociais, afetivos e políticos.
O texto consistirá em relacionar o referido filme a teoria de Demerval Saviani, grande nome em Filosofia da Educação. Ele foi o primeiro a usar efetivamente o método marxista para pensar a educação brasileira. Difere-se dos demais pensadores tupiniquins de pensamento liberal ou existencialistas, pautando a luta de classes dentro da universidade, acredita que nela não há um bloco homogêneo, que há uma disputa pela hegemonia no seu interior, cabendo aos educadores problematizar essa hegemonia e procurar uma pedagogia emancipadora, ou seja, com uma preocupação social, de libertar os homens de suas opressões.
Assim, Demerval aponta 5 passos essenciais para efetivação do ato educacional:
a) Prática Social: aqui começa o processo educacional e é onde os sujeitos sociais, os atores do processo educacional (professores e estudantes) estabelecem suas relações e reflexões sobre “sua maneira de sentir, pensar e agir na sociedade de acordo com as relações que estabelecem e ainda, conforme se inserem no modo de produção da sociedade a que pertencem” (Rodriguez, 2010).
No filme é o momento em que Ruopollo e Neruda estabelecem relações, ainda tímidas, mas que ganham corpo com o tempo. O momento em que o interesse pela poesia e forma de “ler” o mundo do carteiro e do poeta se encontram e surge uma necessidade e disposição de ambos para uma troca de experiências. O poeta possuí o conhecimento da poesia, e esse fato é reconhecido pelo carteiro que se dispõe a aprender.
b) Problematização: aqui os sujeitos verificam como deverá acontecer o processo educativo. As suas deficiências, carências e as possíveis soluções. Explicita-se a diferença de conhecimento de ambos, a realidade pobre, sofrida e de estímulos restritos a comunidade pescadora de Ruopollo, em contraste com o poeta detentor de diversas viagens e de um saber literário. Nesse momento surgem as perguntas e vontades: “como se faz poesia?”, “o que são metáforas?”, e as orientações do educador, quando Neruda pede a Ruopollo que olhe a sua volta e diga o que sentiu para que as metáforas venham ao aprendiz.
c)Instrumentalização: organizar as técnicas e métodos para adquirir os conteúdos necessários à ação, ou seja, a percepção daquilo que se deve dominar para interferir na realidade que se deseja alterar. Temos o panorama de que Ruopollo quer conquistar Berenice, mas precisa tomar certas atitudes, para as quais precisa de instrumentalização: a poesia. Para tanto, recebe o caderno de poesia – no qual poderá escrever. Nesse momento Ruopollo começa a elaborar suas primeiras metáforas na praia em conversa com Neruda, sua instrumentalização engatinha.
d)Catarse: Neste momento o educando começa a alterar a realidade, multiplicando as ações através do conhecimento adquirido. Ruopollo começa a fazer poesia, percebe que mesmo com a ausência de seu tutor, Neruda, a ilha detém diversas belezas, e que ele pode expressá-las – para isso usa primeiro o gravador (adquirindo conhecimento tecnológico) e também escrevendo poesia. Então ele já não apena faz um grito tímido ao político que engana a comunidade, mas esbraveja, expõe e descortina a prática política enganadora a que sua comunidade é sujeitada.
e) “Práxis”, Prática Social: Volta-se ao início, a prática social, mas em um estágio diferente. Aqui o sujeito apropriou-se de um conhecimento podendo utilizá-lo para uma ação, mas que não se efetiva apenas para si, mas com uma finalidade, com uma reflexão. Rupollo não apenas esbraveja, ele escreve poesia e vai à luta, manifesta-se pelos seus direitos em passeata comunista com os quais se identifica. Ele vai expor sua criação, sua poesia, seu conhecimento adquirido, mas com reflexão, ele sabe o que quer mudar: a realidade de seu povo oprimido.
Assim, podemos identificar no filme um panorama do processo educativo e sistematizá-lo pela teoria de Saviani. Se o filme fala de metáforas, e o carteiro indaga ao poeta se o mar e tudo mais que o cerca pode ser metáfora de algo maior, também indaga a nós expectadores que talvez nossa realidade queira nos dizer algo que espera uma mudança, uma ação ativa nossa na realidade. Indaga também que a terra, o céu e tudo o mais, agora imaginados não mais como o mundo, mas como o universo fílmico ao qual se insere a personagem, podem ser uma grande metáfora, ou seja, o diretor nos faz um convite para que façamos nós ações práticas e que sejamos sensibilizados pela grande metáfora que é o filme.
Quando Ruopollo conhece Berenice e joga totó com ela, no qual ele perde - representando a inferioridade da personagem frente ao mundo feminino, mas também geral do universo fílmico , Berenice coloca a bola branca na boca desafiando o hipnotizado homem a tomar uma atitude viril, uma atitude segura, ativa, mas o tímido não consegue alcançar êxito.
Depois, há uma cena que Ruopollo segura a bola em mãos, compenetrado olhando o negro céu no qual brilha uma enorme e clara lua cheia. Essa lua representa a bola que está nas mãos de Ruopollo, que representa Berenice, que representa algo inalcansável para o personagem, alcançar Berenice é como tentar chegar à lua. Essa metáfora é reforçada quando Ruopollo tenta escrever pela primeira vez em seu caderno recebido por Neruda: sem conseguir escrever nada, ele desenha um círculo, esse círculo remete à Berenice, à lua, e à bola de totó – a poesia também permanece inalcansável para ele no momento. Essa na verdade, é uma grande metáfora para a ação social da personagem que ainda não está instrumentalizada. Esse é o momento da problematização, abre-se o leque de necessidades da personagem, que não são apenas amorosas, mas políticas e econômicas: a necessidade de trabalhar, a exploração de sua vila por políticos.
Assim, quando Ruopollo começa a declamar poesias – mesmo que não sejam suas, mas de Neruda –, ele começa a utilizar do conhecimento, para alcançar seus objetivos, embora ainda não seja o detentor completo daquele instrumento, pois ainda não é capaz de criar independentemente. Ao ser questionado pelo uso das poesias por Neruda, o carteiro aponta dois fatos: que a poesia na verdade é de quem precisa dela – aqui já começam traços de independência, o conhecimento deixa de ser do seu criador, mas daquele que o utiliza com certa finalidade – surpreendendo Neruda que aprova a premissa; e também dizendo que foi o poeta quem o colocou na enrascada – a mãe de Berenice vem e ameaça de morte o rapaz caso volte a ver sua filha - e que agora precisava o ajudar a sair do problema, ou seja, mantém-se um vínculo de necessidade ainda com a figura do educador. Estamos no momento de instrumentalização.
Mais a frente, quando Berenice e Ruopollo tem o primeiro momento íntimo, Ruopollo escorrega a bola pelo corpo de Berenice que coloca a esfera na boca que é logo retirada pelo carteiro que em seguida a beija – fechando um ciclo de inação diante do sexo oposto -, é o início da independência da personagem. Aqui se caracteriza a Catarse, Ruopollo começa a alterar sua realidade com o conhecimento adquirido.
No final do filme, Ruopollo se mostra mais forte e independente, tendo opiniões próprias e tomando decisões, seja de fazer a gravação para Neruda, criando poesias ou indo à manifestação política dos comunistas. Ele agora é detentor de um saber e tem uma ação refletida, com objetivos claros. Conclui-se o processo educacional com a práxis.
Mario Ruopollo vivia em uma sossegada e provinciana ilha de pescadores na Itália quando Pablo Neruda chega a sua cidade exilado por motivos políticos. Esse evento alterará irremediavelmente a vida desse homem humilde que, não podendo nem querendo ser pescador como seu pai se tornará o carteiro da vila cujo único remetente será o poeta chileno. No entanto, a convivência com o poeta o transforma radicalmente em aspectos sociais, afetivos e políticos.
O texto consistirá em relacionar o referido filme a teoria de Demerval Saviani, grande nome em Filosofia da Educação. Ele foi o primeiro a usar efetivamente o método marxista para pensar a educação brasileira. Difere-se dos demais pensadores tupiniquins de pensamento liberal ou existencialistas, pautando a luta de classes dentro da universidade, acredita que nela não há um bloco homogêneo, que há uma disputa pela hegemonia no seu interior, cabendo aos educadores problematizar essa hegemonia e procurar uma pedagogia emancipadora, ou seja, com uma preocupação social, de libertar os homens de suas opressões.
Assim, Demerval aponta 5 passos essenciais para efetivação do ato educacional:
a) Prática Social: aqui começa o processo educacional e é onde os sujeitos sociais, os atores do processo educacional (professores e estudantes) estabelecem suas relações e reflexões sobre “sua maneira de sentir, pensar e agir na sociedade de acordo com as relações que estabelecem e ainda, conforme se inserem no modo de produção da sociedade a que pertencem” (Rodriguez, 2010).
No filme é o momento em que Ruopollo e Neruda estabelecem relações, ainda tímidas, mas que ganham corpo com o tempo. O momento em que o interesse pela poesia e forma de “ler” o mundo do carteiro e do poeta se encontram e surge uma necessidade e disposição de ambos para uma troca de experiências. O poeta possuí o conhecimento da poesia, e esse fato é reconhecido pelo carteiro que se dispõe a aprender.
b) Problematização: aqui os sujeitos verificam como deverá acontecer o processo educativo. As suas deficiências, carências e as possíveis soluções. Explicita-se a diferença de conhecimento de ambos, a realidade pobre, sofrida e de estímulos restritos a comunidade pescadora de Ruopollo, em contraste com o poeta detentor de diversas viagens e de um saber literário. Nesse momento surgem as perguntas e vontades: “como se faz poesia?”, “o que são metáforas?”, e as orientações do educador, quando Neruda pede a Ruopollo que olhe a sua volta e diga o que sentiu para que as metáforas venham ao aprendiz.
c)Instrumentalização: organizar as técnicas e métodos para adquirir os conteúdos necessários à ação, ou seja, a percepção daquilo que se deve dominar para interferir na realidade que se deseja alterar. Temos o panorama de que Ruopollo quer conquistar Berenice, mas precisa tomar certas atitudes, para as quais precisa de instrumentalização: a poesia. Para tanto, recebe o caderno de poesia – no qual poderá escrever. Nesse momento Ruopollo começa a elaborar suas primeiras metáforas na praia em conversa com Neruda, sua instrumentalização engatinha.
d)Catarse: Neste momento o educando começa a alterar a realidade, multiplicando as ações através do conhecimento adquirido. Ruopollo começa a fazer poesia, percebe que mesmo com a ausência de seu tutor, Neruda, a ilha detém diversas belezas, e que ele pode expressá-las – para isso usa primeiro o gravador (adquirindo conhecimento tecnológico) e também escrevendo poesia. Então ele já não apena faz um grito tímido ao político que engana a comunidade, mas esbraveja, expõe e descortina a prática política enganadora a que sua comunidade é sujeitada.
e) “Práxis”, Prática Social: Volta-se ao início, a prática social, mas em um estágio diferente. Aqui o sujeito apropriou-se de um conhecimento podendo utilizá-lo para uma ação, mas que não se efetiva apenas para si, mas com uma finalidade, com uma reflexão. Rupollo não apenas esbraveja, ele escreve poesia e vai à luta, manifesta-se pelos seus direitos em passeata comunista com os quais se identifica. Ele vai expor sua criação, sua poesia, seu conhecimento adquirido, mas com reflexão, ele sabe o que quer mudar: a realidade de seu povo oprimido.
Assim, podemos identificar no filme um panorama do processo educativo e sistematizá-lo pela teoria de Saviani. Se o filme fala de metáforas, e o carteiro indaga ao poeta se o mar e tudo mais que o cerca pode ser metáfora de algo maior, também indaga a nós expectadores que talvez nossa realidade queira nos dizer algo que espera uma mudança, uma ação ativa nossa na realidade. Indaga também que a terra, o céu e tudo o mais, agora imaginados não mais como o mundo, mas como o universo fílmico ao qual se insere a personagem, podem ser uma grande metáfora, ou seja, o diretor nos faz um convite para que façamos nós ações práticas e que sejamos sensibilizados pela grande metáfora que é o filme.
Quando Ruopollo conhece Berenice e joga totó com ela, no qual ele perde - representando a inferioridade da personagem frente ao mundo feminino, mas também geral do universo fílmico , Berenice coloca a bola branca na boca desafiando o hipnotizado homem a tomar uma atitude viril, uma atitude segura, ativa, mas o tímido não consegue alcançar êxito.
Depois, há uma cena que Ruopollo segura a bola em mãos, compenetrado olhando o negro céu no qual brilha uma enorme e clara lua cheia. Essa lua representa a bola que está nas mãos de Ruopollo, que representa Berenice, que representa algo inalcansável para o personagem, alcançar Berenice é como tentar chegar à lua. Essa metáfora é reforçada quando Ruopollo tenta escrever pela primeira vez em seu caderno recebido por Neruda: sem conseguir escrever nada, ele desenha um círculo, esse círculo remete à Berenice, à lua, e à bola de totó – a poesia também permanece inalcansável para ele no momento. Essa na verdade, é uma grande metáfora para a ação social da personagem que ainda não está instrumentalizada. Esse é o momento da problematização, abre-se o leque de necessidades da personagem, que não são apenas amorosas, mas políticas e econômicas: a necessidade de trabalhar, a exploração de sua vila por políticos.
Assim, quando Ruopollo começa a declamar poesias – mesmo que não sejam suas, mas de Neruda –, ele começa a utilizar do conhecimento, para alcançar seus objetivos, embora ainda não seja o detentor completo daquele instrumento, pois ainda não é capaz de criar independentemente. Ao ser questionado pelo uso das poesias por Neruda, o carteiro aponta dois fatos: que a poesia na verdade é de quem precisa dela – aqui já começam traços de independência, o conhecimento deixa de ser do seu criador, mas daquele que o utiliza com certa finalidade – surpreendendo Neruda que aprova a premissa; e também dizendo que foi o poeta quem o colocou na enrascada – a mãe de Berenice vem e ameaça de morte o rapaz caso volte a ver sua filha - e que agora precisava o ajudar a sair do problema, ou seja, mantém-se um vínculo de necessidade ainda com a figura do educador. Estamos no momento de instrumentalização.
Mais a frente, quando Berenice e Ruopollo tem o primeiro momento íntimo, Ruopollo escorrega a bola pelo corpo de Berenice que coloca a esfera na boca que é logo retirada pelo carteiro que em seguida a beija – fechando um ciclo de inação diante do sexo oposto -, é o início da independência da personagem. Aqui se caracteriza a Catarse, Ruopollo começa a alterar sua realidade com o conhecimento adquirido.
No final do filme, Ruopollo se mostra mais forte e independente, tendo opiniões próprias e tomando decisões, seja de fazer a gravação para Neruda, criando poesias ou indo à manifestação política dos comunistas. Ele agora é detentor de um saber e tem uma ação refletida, com objetivos claros. Conclui-se o processo educacional com a práxis.
Conclusão
Através do filme podemos ilustrar os 5 passos didáticos de Saviani, e, principalmente, compreender como se dão na prática. Assim, fica evidente a pertinência e eficácia do método de Saviani, mas não apenas isso: a necessidade de uma educação que realmente permita uma emancipação social.
Bibliografia: Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica de João Luiz Gasparin
André Fonseca Feitosa graduando em História pela UFPB ( http://processosubjetivo.blogspot.com )
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